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01-04-2003

Costumes Aldeãos


Moita

Moita - Costumes Aldeãos São Martinho António Faria Nos já remotos tempos da minha juventude, havia ainda hábitos de convivência social tão imbuídos de confraternal partilha que o seu cumprimento se impunha quase como uma questão de honra. Eram maneiras de amenizar um pouco a dureza da luta pela sobrevivência e de sacudir, de quando em vez, o saturante marasmo do acanhado ambiente rural sem horizontes de valores alternativos. A prova do vinho novo, a onze de Novembro, era uma dessas práticas costumeiras. Chego a interrogar-me, contudo, se, em vez de São Martinho, oficial do exército romano, do século IV, que compartilhou a capa com um mendigo enregelado, a introdução do tradicional magusto não seria antes um acto de veneração ao grande São Martinho de Dume, do século VI. É que este, Arcebispo de Braga, além de vasta audição e fecunda actividade literária que o tornaram num precursor dos novos tempos, foi um profundo reformador da sua diocese e o grande apóstolo e conversor dos Suevos, cujo reino, com a capital em Braga, se estendia por todo o Noroeste da Península Ibérica, onde a bolota, de que se fazia pão, e a castanha eram a base do sustento dos Lusitanos e de outros povos proto-históricos. Seja ou não, a verdade é que, na época, ainda não haviam chegado à minha aldeia os populares magustos. A tradição não condizia com as mais sociáveis comemorações actuais. “Pelo São Martinho fura-se o vinho” - rezava o adágio popular. E o provérbio cumpria-se a rigor, num corrupio de adega em adega: da do meu pai para a dos morgados, desta para o do ti Zé Caras, para a do ti Armando Cancela, para a do meu tio Manuel “Salazar” e para outras que, por mais distantes ou de menor dimensão, não vale a pena mencionar. Nesta romaria de São Martinho, costumavam incorporar-se também, com frequência, mordomos sem adega por pelouro. Constituía, por isso, uma irmandade espúria, unida apenas por laços de respeitosa confraternização. Uma vez na adega e sangrado o tonel, nem eram precisas castanhas nem tremoços para puxar ou fazer boca. Assim, ficava o paladar mais sensível e requintado. Era ouvir, então, quem mais gabava a qualidade e a quantidade do seu artigo, pois ter pouco e fraco implicava menor posição social. Só o meu tio Manuel Lourenço, por espírito de contradição ou falsa modéstia, é que nunca estava satisfeito com a sua mercadoria. A catalogação do vinho era feita, invariavelmente, após uma atenta observação, à contraluz de um bom copo de tinto para apurar se já estava bem assente, se era clarete ou carrascão e de um gustativo bochecho para descobrir os aromas e ajuizar do teor alcoólico, após o que se emborcava a pingoleta de uma assentada, concluída por um sonoro e aprovativo ah! dos grandes. Depois visitadas as báquicas capelas e apurado, com ou sem unanimidade, o pingote vencedor do concurso probatório, era o alegre regresso a penates, com a tranquilidade de consciência de quem havia cumprido, com proveitosa devoção, os oito mandamentos da lei de Baco: “o primeiro bebe-se inteiro; o segundo até ao fundo; o terceiro como o primeiro e o quarto como o segundo; o quinto bebe-se todo; o sexto do mesmo modo; o sétimo bebe-se cheio e o oitavo duas vezes meio”. Aliás, mesmo ao longo do ano, a adega funciona sempre como sala de visitas da casa. E tão hospitaleira que, até na ausência do dono, recebia os amigos. Assim, quando algum passava defronte, ripava da chave pendurada no exterior do portão e, num vê-se-te-avias, escorropichava-lhe dois copos, no mínimo, que não era bom ir manco. Por isso, antes eram pequenos por norma, não fosse o diabo tecê-las e cair o santo do andor e esmurrar o nariz. Era assim, antigamente. No entanto, os longes do tempo e da distância têm apagado ou corroído muitas destas belas tradições populares, sacrificando, com frequência, no altar do modernismo, saúde, dignidade e família, em adoração a novas divindades, infelizmente não só alheias como bem mais insaciáveis e exigentes. António Faria (3 Jan / 12:13)

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